sábado, 27 de fevereiro de 2010
Quem sabe para onde vou?
Não era o poço de Murakami. Esse descia-se por uma corda e a descida era voluntária e lenta. O que me estava destinado era igualmente fundo e escuro e cheirava a humidade e a frio. Caí lá dentro empurrada não sei quando nem porquê. A queda durou apenas uns segundos e no entanto por ali passou uma vida inteira. Acabei por cair numa espécie de plataforma saliente.
O cheiro insuportável, o ar bafiento, irrespirável. Fiquei ali muito tempo. Imóvel e desamparada, tentando não pensar, não desesperar. A certa altura dou-me conta que não estou só. Um murmúrio longínquo ecoa intermitentemente. Aproximo-me da parede do poço, que está escorregadia e vou tacteando à volta. Ora em cima, ora em baixo. Na minha mente um diálogo impossível, na minha alma uma ténue esperança. Quem disse que os poços não têm saída? Tenho de acreditar que vou sair, mesmo que seja improvável encontrar um túnel, umas escadas, uma luz, uma passagem secreta para outro lugar. Continuo tacteando a parede de tijolos persistentemente, polegada a polegada, sentindo os desníveis, medindo as distâncias mentalmente.
E acontece, enfim. A dada altura toco uma corda de sisal, que me apresso a puxar com força e a parede cede. Por detrás da parede encontro uma porta que me limito a empurrar. Do outro lado a luz. Dia. Estava sol e reconheci o local. Já ali estivera. Era aquela sala envidraçada ao lado da recepção do hotel. Na parede envidraçada oposta à que cruzara, ali estava a porta para a rua. Sorri. Estava livre e de volta. Podia até sair. Olhei em volta, ninguém. No último momento hesito. E os que murmuravam ainda dentro do poço? Volto para trás, empurro a porta e mergulho na escuridão do poço outra vez. Vou buscá-los. Na minha mente agitam-se as minhas histórias futuras. Construo cenário. Mas afinal para onde vou? Que farei ao transpor a porta de vidro? Poderei alugar um quarto e ir descansar numa cama confortável. Poderei ir dormir na praia sob as estrelas. Poderei apanhar um comboio e partir para outro lugar. Quem sabe para onde vou?
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Simplesmente fascinante! Foi um enorme prazer chegar até este cantinho pleno de “poesia”!
ResponderExcluir( )s,
Carla