sexta-feira, 24 de julho de 2009

Tu aí e eu aqui




Ontem choveu. O chão da avenida cola na sola dos sapatos e também eu me sinto colada a este chão citadino. Está calor e tenho saudades do mar.

Imagino o areal imenso. À beira-mar de ondas pequenas pulando umas sobre as outras.
Ali estou caminhando na orla das vagas. Os pés semi-enterrados na areia molhada, o olhar fixo no horizonte máximo e surreal, onde nada distingo e não sei se lá vou chegar, mas para onde caminho, determinada, andando sem hesitar e sem parar.

Tudo está perfeito neste final de Julho. Caminho afinal na avenida, mas não vejo as lojas, nem as árvores, nem as pessoas. Não paro no quiosque, não bebo café, não cumprimento a vizinha, não vou ao supermercado, porque os meus passos caminham junto ao mar e a minha mente vagueia noutro lugar.

Paro. Sento-me à beira-mar, como costumo fazer, descansando, ponderando a intemporalidade, a ausência física de mim própria uma vez mais. Onda a onda, a água do mar subindo e eu cada vez mais enterrada na areia molhada, desaparecendo no buraco do peso do meu próprio corpo. Levanto a cabeça. Sempre a mesma mania de procurar as nuvens, hoje enormes boiões disformes, movendo-se imperceptivelmente, já que o vento amainou…e as árvores da avenida mal se mexem então.

Não. A Sul não haverá nuvens hoje, e se lá estivesse, e não aqui, estaria por ventura sob o teu olhar.

Ver-me-ias chegar. A minha figura, primeiro indistinta, mas depois reconhecerias o meu andar na orla do mar, o meu olhar ainda fixo na distância remota do final do areal…não em ti. E cresceria em ti o desejo de ires ao meu encontro, de abraçares o meu corpo, ainda fresco do último mergulho no mar. As tuas mãos afagando o meu cabelo molhado, a tua boca sorrindo aproximando-se da minha no reencontro tão esperado.

Mas não sou eu, que ali está. Aquela que julgas ver apenas um reflexo meu na tua imaginação. Não caminha sobre a areia na orla do mar, envergando o meu biquini florido, porque eu estou ainda aqui descendo a avenida, que hoje tem cola e se pega à sola das minhas sandálias…e essa tu não consegues ver.

Daqui a pouco vais comprar o jornal. Vais sentar-te na esplanada e imaginar-me-ás chegando, puxando uma cadeira, sentando-me à tua frente sorrindo, pedindo um sumo de manga, que agora por acaso tenho na minha frente e vou bebendo devagar, vendo passar tanta gente de regresso a casa, nesta avenida ao final da tarde. Mas não a ti, que continuas sentado nessa outra esplanada, admirando a minha pele bronzeada, fazendo chegar um beijo à minha mão direita, que guardas agora entre as tuas, sorrindo e falando, falando e sorrindo só para mim.

Levanto-me. Segues o meu movimento rápido, enquanto desço as escadas em direcção ao mar, porque te fujo e perdes já os meus contornos, mal distingues já o meu corpete rosa bordado, mal estou…estarei? Estaria sim. Não fosse o cenário urbano tão imperativo e os nossos lugares tão dispares e distantes. Tu aí e eu aqui.

Um comentário:

  1. hummmm!.... Interessante... mais logo terá comentário!... Srá ADMIRÁVEL?!... Talvez, talvez...



    Escolha entre... beijos e abraços

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